Casamento, uma nova etapa...
É comum a
nós, seres humanos, qualificar e classificar os momentos, decisões e eventos,
ao longo de nossas vidas, de acordo com o peso que essas situações têm na
construção da nossa história. Com o casamento não seria diferente! Uma
referência muito comum direcionada a este momento é a classificação do
casamento como uma nova etapa.
Esta ideia
de nova etapa se estabeleceu, possivelmente, porque esta escolha, entre tantas
outras que fazem parte da nossa existência, seria uma das decisões que mais
define nossas projeções futuras, constituindo-se como um marco significativo no
direcionamento da nossa história. Temos aí também a profissão, e algumas outras
escolhas, como fé e religião, que marcam o rumo de nossas vidas tanto quanto o
casamento. Sim, até é viável dizer que é uma nova etapa, mas esta nova etapa
estará sob direção daqueles mesmos dois diferentes indivíduos que, apesar de
anteriormente vinculados, eram responsáveis por suas fases particulares de
vida. O casamento marcaria então o início de uma única e comum etapa para duas
pessoas singulares e diferentes.
Apesar das
semelhanças, somos sim pessoas diferentes, e, tais diferenças acabam falando
alto quando duas pessoas se encontram em uma mesma etapa, o que constitui um
ponto muito relevante na construção de algo em comum. As diferenças individuais
são aquela combinação de características que fazem do ser humano único em sua
expressão. Diferenças de sentimentos e ações, de pensamentos e organizações, de
sonhos e inclinações, de interesses e hobbys, enfim, diferenças importantes
para fazer o mundo realmente evoluir, cada um contribuindo à sua maneira. No
entanto, este caráter positivo pode ser comprometido quando inserido no
contexto de uma sociedade globalizada voltada para o imediatismo, a
concorrência e o individualismo.
A
globalização traz a ideia de diminuição de fronteiras, onde os limites humanos
para o alcance do mundo estariam minimizados. Tal amplitude de campo de
atuação, visibilidade, experimentação e estabelecimentos de relações humanas,
têm seus benefícios no desenvolvimento, porém entra em choque, muitas vezes,
com as limitações de recursos que o homem possui: intelectuais, físicas e
psicológicas. Cria-se então uma sociedade voltada para a abrangência, o que
impõe ao homem um ritmo imediatista para acompanhá-la, diante do que este
indivíduo precisa se fortalecer em si mesmo para poder concorrer com os demais
pelo seu próprio espaço. Isto sem contar que, em vários aspectos, mas
principalmente diante da subjetividade, tal abrangência pode causar grandes
impactos nas escolhas e direcionamentos de vida, acabando por concorrer com o
foco e favorecendo que decisões sejam mais facilmente questionadas ou mesmo
alteradas.
Fica então
uma rede complicada de entender. Como ser imediato em dois ritmos diferentes?!
É possível olhar para o outro se preciso cuidar de minha individualidade e
fortalecer o que sou?! Será que se eu abrir espaço o outro vai ocupar o lugar
que era para ser meu?! Parece-nos difícil duas pessoas com configurações tão
individuais andarem juntas na construção de uma nova etapa.
Porém o
homem existe e se realiza frente a vínculos afetivos. Pesquisas recentes
demonstram que o estabelecimento de laços afetivos fortes e duradouros está
muito além da realização profissional, da beleza ou mesmo da saúde física,
quando o quesito é felicidade. Já dizia Kierkegaard, filósofo dinamarquês, em
seu livro As Obras do Amor, “mesmo a pessoa mais carente que já viveu, se teve
amor, quão rica não terá sido a sua vida em comparação com a daquele, que é o
único miserável – aquele que foi vivendo a vida e jamais sentiu carência de
nada”.
Encontramos
nesta citação, um conceito que ainda não tinha sido colocado neste pensamento,
que é o amor. Falar sobre o amor não é uma tarefa fácil, mas podemos pensar
que, considerando este como um sentimento, possivelmente não se submeta assim
ao tempo, e não ceda então ao caráter imediatista atual. Fica também em
destaque que o amor precisa do outro para existir, o individualismo então acaba
não podendo ser o ponto forte de uma pessoa quando se ama. E para que este amor
seja vivido, a reciprocidade faz de dois concorrentes, cúmplices, somando
forças para encontrar um espaço para os dois.
Na grande verdade, independentemente de tanta concordância
e discordância sobre o que viria a ser o amor, é bem provável que este seja o
principal, ou, até mesmo, o único possibilitador deste processo. O único que
abre espaço entre o imediatismo, o individualismo e a concorrência e faz com
que os vínculos sejam profundamente firmados. Se o amor for priorizado, ele
pode sim fazer das diferenças entre duas pessoas um ponto forte na construção
de uma única e bem-sucedida etapa de suas vidas.
Giselle
Pianowski
Psicóloga
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